O Festival de Inverno de Pedro II se consolida no cenário turístico como um dos principais eventos da área no estado, envolvendo a cada ano um número maior de turistas que buscam novas opções de lazer, entretenimento e diversão cultural. A cidade se transforma para oferecer aos visitantes um conjunto de atividades artísticas e culturais, bem como, a organização de trilhas e passeios aos pontos turísticos que oportunizam a contemplação das riquezas ambientais da região.
Durante o passeio pelas praças e ruas é possível identificar o crescimento no nível organizativo do evento e no número de empreendimentos econômicos criados a partir de sua dinamização turística. Às noites são repletas de gente bonita que exibem sua satisfação de está num espaço rico de contemplação da boa música e de encontro e reencontros afetivos. No entanto, uma coisa é curiosa, poucas são as pessoas da cidade curtindo o evento, contemplando as atividades artísticas e celebrando a vida cultural da cidade. Quando as encontramos expressam um sentimento de espanto diante das grandes produções culturais e ao mesmo tempo uma sensação de “peixe fora d’água” como se estivesse participando de um evento que não foi preparado para eles: “um evento para turista vê”.
Nas praças, nos deparamos com algumas exposições de produtos culturais que pouco dizem sobre a gente de Pedro II, seu mundo social e cultural. Mais uma vez prevalece a lógica do mercado e da produção de bens culturais padronizados e plastificados pela lógica das relações comerciais, limitando a criatividade e a inventividade nordestina e piauiense, que normalmente utilizam-se das artes para a expressão de suas práticas sociais, seus desejos sonhos e paixões.
É evidente os benefícios econômicos e até culturais que o Festival de Inverno traz para o município quando evidencia suas belezas e riquezas, fomenta a geração de renda para “alguns grupos sociais” e possibilita a troca de experiência espontânea entre nativos e visitantes nos encontros esporádicos entre um passeio e outro nas ruas e nos pontos turísticos.
Entretanto, diante desse cenário, ficamos nos questionando: em que medida esse “evento de negócio” contribui para o fortalecimento da vida cultural do município de Pedro II? Quais suas possibilidades de formação cultural? Ou será que estamos diante de mais um evento construído a partir da lógica capitalista que se utiliza das riquezas e das belezas culturais e ambientais do lugar sem oportunizar aos grupos locais as condições de ampliação do seu capital cultural, celebração dos seus saberes e tradições e o fortalecimento de suas identidades nordestinas e sertanejas?
O sertão nordestino é um dos mais ricos culturalmente com seus reisados, suas cantigas de roda, seus sambas de criolos, seus repentes, dentre tantas outras linguagens artísticas que expressam a vida e a alma de um povo singular e diverso. No entanto, saio desse Festival com a sede de conhecer a produção cultural dos jovens, das mulheres, dos negros, dos trabalhadores rurais, dentre tantos outros povos que coabitam e produzem culturas em Pedro II. Ou seja, o diferencial nestes festivais é a oportunidade que temos de viver e compreender as diferenças e diversidades que temos no estado e que não conhecemos ou apreciamos através dos veículos de comunicação e até mesmo do circuito cultural convencional.
Além disso, fico pensando por que um evento com tantas potencialidades e possibilidades de formação e trocas culturais não pode ser construído como um movimento cultural que se incorpore a vida das pessoas da comunidade, constituindo-se enquanto um espaço de celebração da vida? Um evento que possibilite aos jovens reinventarem suas vidas e seus sonhos através de um conjunto de atividades artísticas e culturais que perpassem as práticas educativas desenvolvidas nas escolas, nos movimentos sociais e nas próprias produções culturais locais?
Apesar de está na sua oitava edição, o Festival de Inverno de Pedro II ainda tem grandes possibilidades e potencialidades para se reinventar a partir das riquezas e criatividades do povo piauiense, superando os limites impostos pelo processo de mercantilização cultural, que nos impedem de conhecermos as diferentes práticas socioculturais produzidos nos vários cantos do município e do estado, negadas e silenciadas historicamente pela lógica do mercado cultural.
Esses questionamentos e reflexões nos levam a pensar no modelo de desenvolvimento implementado em nosso estado, no qual os interesses econômicos sempre estão acima dos interesses sociais e culturais, promovendo um distanciamento do povo de sua própria prática artística, enquanto atividade criativa, inovadora e subjetiva, que fortalece os laços de afetividade entre as pessoas e das pessoas com o lugar. E acima de tudo, de produção da arte e das manifestações culturais como elemento de celebração da vida, de afirmação das identidades culturais e, consequentemente da consolidação de projetos coletivos de vida.
Elmo de Souza Lima – Prof. da UFPI
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