tempo inclemente
Cá em minha terra
Cedo acorda a passarada
Tem café pra toda a gente
Adalberto entrega o leite
Adalberto entrega o leite
Zé e Babá trazem pão quente
O sol nasce bem ligeiro
E o tempo passa lentamente
Tem estio, chuvarada
E Seu Miguel planta a semente
Nessa terra ensolarada
Carne assada e beiju grosso
Muita dança e cachaçada
Ao redor do forno quente
O tempo passa lentamente
Avoantes levam tiro
Peba é morto, tatu sente
Até cobra vem pegada
E Antenor vende a tenente
Pra caçador com rede armada
O tempo passa lentamente
Antenor é um capanga
Amigo de toda a gente
Fala mais que o homem da cobra
Canta até mulher de crente
Ouvindo o seu babujado
O tempo passa lentamente
Quando morre um cidadão
Todos fazem sentinela
Dão perdão e acendem vela
Comem bolo e caldo quente
Em velório nessa terra
O tempo passa lentamente
Todo santo é festejado
Promessa é ato presente
Marron, branco e encarnado
Veste o corpo dessa gente
São Francisco e Santo Antônio
Atende mulher exigente
Esperando sua graça
O tempo passa lentamente
Nas calçadas a tardinha
Senta o povo a conversar
Contam e ouvem abobrinhas
Tecem a vida do lugar
Uns apenas limpam a mente
Outros vivem a fofocar
Quem não tem o que dizer
Mata quem está doente
A vida alheia é lazer
E o tempo passa lentamente
Quebranto é mal costumeiro
Pega bicho e pega gente
Benzendeira tem serviço
Pra deixar povo contente
Pau de arruda livra olho gordo
E pinhão é atendente
Seu Antônio faz responso
E o tempo passa lentamente
O vaqueiro aboiador
Queima a pele no sol quente
Pega os bichos na caatinga
Tira espinhos, põe ungüento
Bebe água no barreiro
Enche a anca do jumento
Com o seu gibão de couro
É um homem atraente
No terreiro da sua casa
O tempo passa lentamente
Jumento é ser esquecido
Sem terreno, sem trabalho
Vive agora de andarilho
Pelas ruas da cidade
Quando o homem se lembrar
Do seu serviço prestado
Mascate, transporte valente
O tempo terá passado
Lentamente lentamente
Vaquejada é coisa certa
Chama o povo e junta gente
Pobres bois que eles derrubam
Caem na fita, se enfurecem
Até jumento sofrido
Tá na raia e se aborrece
Cavalos são bem tratados
Levam fama de intendentes
Pra quem engole poeira
O tempo passa lentamente
Personagens diferentes
TBA que só faz filhos
De homens tão imprudentes
Ritinha que não perdoa
Deslizes de nem um vivente
Conta tudo onde chega
Palavrões assustam a gente
Chico Elói que já morreu
Juntou ossos, formou gente
Lia estrelas, refletia
Fez consultas competentes
Ele não viu nem achou
Que o tempo passou lentamente
São poetas desta terra
Que acendem o sentimento
Por uma terra hospitaleira
Que agrada a muita gente
Verso, prosa e paródias
Nos falam de um tempo lento
Muitos são os escritores
De cordéis bem diferentes
Espalhando nossa história
Nunca vi tempo insistente
Passa sempre de repente
Adormeço e abro o olho
E lá se foi o tempo da gente
Cassiano, Malaquias
Luis Peba, Altina e Maria
João, Zeca e mais Pereiras
Não me lembro nem o dia
Foi-se o tempo
Num instante
Inclemente, Ave Maria!
Rosilândia Melo
Fonte: rosadacaatinga.blogspot.com
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