sábado, 23 de julho de 2011

tempo inclemente

Cá em minha terra
O tempo passa lentamente
Cedo acorda a passarada
Tem café pra toda a gente

Adalberto entrega o leite
Zé e Babá trazem pão quente
O sol nasce bem ligeiro
E o tempo passa lentamente

Tem estio, chuvarada
E Seu Miguel planta a semente
Nessa terra ensolarada
O tempo passa lentamente
Mandioca, farinhada
Carne assada e beiju grosso
Muita dança e cachaçada
Ao redor do forno quente
O tempo passa lentamente
Avoantes levam tiro
Peba é morto, tatu sente
Até cobra vem pegada
E Antenor vende a tenente
Pra caçador com rede armada
O tempo passa lentamente
Antenor é um capanga
Amigo de toda a gente
Fala mais que o homem da cobra
Canta até mulher de crente
Ouvindo o seu babujado
O tempo passa lentamente

Quando morre um cidadão
Todos fazem sentinela
Dão perdão e acendem vela
Comem bolo e caldo quente
Em velório nessa terra
O tempo passa lentamente

Todo santo é festejado
Promessa é ato presente
Marron, branco e encarnado
Veste o corpo dessa gente
São Francisco e Santo Antônio
Atende mulher exigente
Esperando sua graça
O tempo passa lentamente
Nas calçadas a tardinha
Senta o povo a conversar
Contam e ouvem abobrinhas
Tecem a vida do lugar
Uns apenas limpam a mente
Outros vivem a fofocar
Quem não tem o que dizer
Mata quem está doente
A vida alheia é lazer
E o tempo passa lentamente

Quebranto é mal costumeiro
Pega bicho e pega gente
Benzendeira tem serviço
Pra deixar povo contente
Pau de arruda livra olho gordo
E pinhão é atendente
Seu Antônio faz responso
E o tempo passa lentamente

O vaqueiro aboiador
Queima a pele no sol quente
Pega os bichos na caatinga
Tira espinhos, põe ungüento
Bebe água no barreiro
Enche a anca do jumento
Com o seu gibão de couro
É um homem atraente
No terreiro da sua casa
O tempo passa lentamente
Jumento é ser esquecido
Sem terreno, sem trabalho
Vive agora de andarilho
Pelas ruas da cidade
Quando o homem se lembrar
Do seu serviço prestado
Mascate, transporte valente
O tempo terá passado
Lentamente lentamente

Vaquejada é coisa certa
Chama o povo e junta gente
Pobres bois que eles derrubam
Caem na fita, se enfurecem
Até jumento sofrido
Tá na raia e se aborrece
Cavalos são bem tratados
Levam fama de intendentes
Pra quem engole poeira
O tempo passa lentamente

Pio IX tem de tudo
Personagens diferentes
TBA que só faz filhos
De homens tão imprudentes
Ritinha que não perdoa
Deslizes de nem um vivente
Conta tudo onde chega
Palavrões assustam a gente
Chico Elói que já morreu
Juntou ossos, formou gente
Lia estrelas, refletia
Fez consultas competentes
Ele não viu nem achou
Que o tempo passou lentamente
São poetas desta terra
Que acendem o sentimento
Por uma terra hospitaleira
Que agrada a muita gente
Verso, prosa e paródias
Nos falam de um tempo lento
Muitos são os escritores
De cordéis bem diferentes
Espalhando nossa história
Em um tempo inclemente
Nunca vi tempo insistente
Passa sempre de repente
Adormeço e abro o olho
E lá se foi o tempo da gente
Cassiano, Malaquias
Luis Peba, Altina e Maria
João, Zeca e mais Pereiras
Não me lembro nem o dia
Foi-se o tempo
Num instante
Inclemente, Ave Maria!

Rosilândia Melo
 
Fonte: rosadacaatinga.blogspot.com

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